Depois de percorrer 42 países, muitos deles viajando sozinha, resolvi me jogar num sonho: embarcar num cruzeiro de expedição.
Mas o que seria esse tipo de viagem com nome tão aventureiro?
Basicamente, quem já viajou pelo mar sabe que navios para turismo convencional contam com sala de jogos, piscina, spa, cassino e até teatros com shows diários, para entreter seus visitantes entre um destino e outro.
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
Num cruzeiro de expedição isso não acontece – e por um ótimo motivo: o navio é menor, não existe todo esse “entretenimento”, porém você alcança regiões remotas do globo com o auxílio de um staff especializado, de biólogos, antropólogos e historiadores, explicando detalhadamente o que você encontrará nessas regiões que poucos viajantes se atrevem a percorrer.
Interessante, não?
Pois bem, embarquei no Stella Australis pelo simpático porto de Ushuaia, local com uma das vistas mais impressionantes da vida:

Assim que entrei, num check-in muito organizado e rápido, fui direto para minha cabine, onde descobri que não teria televisão, rádio com programação externa e internet pelos próximos quatro dias.
Isso pode parecer chocante para pessoas viciadas em conexão, como eu, mas foi a cereja do bolo dessa experiência – explico melhor já já.
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A cabine é bem confortável e tem uma janela enorme, que é incrível para contemplar a natureza selvagem da região. Apesar de percorrer um local muito frio, o clima dentro da embarcação é ótimo, dando para ficar de legging e malha numa boa.
DETALHE IMPORTANTE PARA EXCURSÕES: Não se esqueça de levar um óleo facial vegetal, um creme hidratante corporal denso, bálsamo labial poderoso – usei Burt’s Bees e Cicaplast + uma camada de Ruby Woo – MAC Cosmetics – para não deixar meus lábios em contato com os ventos gelados da região. Se você não se proteger corretamente – inclusive com protetor solar – vai sentir a pele descamando e ardendo. Também use óculos escuros, por causa da neve, luvas e sapatos impermeáveis e jaqueta corta vento. Esse será seu kit de sobrevivência.
Outro detalhe do Stella: não tem elevador! O navio passa por locais de ondas pesadas, balançando consideravelmente, o que te embala muito bem durante o período de descanso, mas que não combina com elevador. Ok, se você enjoa em viagens no mar, aconselho procurar um médico para indicar alguma substância para amenizar o problema.
Eu não enjoei durante, mas após sair do Australis bem que fiquei dois dias me sentindo meio tonta.
Enfim, hora de zarpar!
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A primeira noite teve um jantar animado e brinde no deck superior com “Calafate Sour”, drink com pisco e calafate, um tipo de berry da região patagônica. Do lado de fora, atravessamos o Canal de Beagle e chegamos, de madrugada, no mítico Cabo Horn.
A parte mais desafiadora para mim? Acordar seis horas da manhã após ficar batendo papo (cheers!) com os meus amigos de aventura até uma da manhã!
Ok, mas valeu o sono investido, pois o nascer do sol no pontinho de terra que está mais perto do Polo Sul é lindo! Lindo e selvagem, aliás, porque a ventania ali é intensa!
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A melhor definição: Cabo Horn é exatamente onde o vento faz a curva!
O mar estava agitado no ponto de desembarque, que acontece em botes chamados Zodiacs, então não deu para visitar o farol, a Capela Stella Maris e o Monumento ao Cabo Horn, mas com isso conseguimos navegar ao sul do cabo, algo muito difícil de acontecer e que empolgou a tripulação.
Observando a passagem de Drake, parte do Oceano Antártico com as piores condições climáticas do mundo e cenário de contos sinistros sobre naufrágios, que aconteceram em abundância na época de exploração e descobrimentos, deu para ter a real noção de como somos pequenos dentro de tanta força natural. É hipnotizante!
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O navio balançava bastante, mas não dava medo e sim respeito: um grande respeito pela natureza dar a possibilidade de estarmos ali vendo o mar, a fauna e sentindo os ventos gelados de um lugar tão histórico.
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E esse foi o dia de visitar também a Cabine de Comando e navegar pela Bahia Nassau, ancorando na belíssima Bahia Wulaia, local dos maiores assentamentos Yamana (povo da Terra do Fogo que citei no artigo sobre Ushuaia).
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A região foi descrita por Charles Darwin e desenhada pelo Capitão Fitz Roy em 1830.
Nessa parada linda você pode optar por três tipos de caminhada: a leve, a moderada e a intensa. Como a intensa era bem rápida, sem momentos para contemplar e fotografar, fui de moderada mesmo – e claro que fiz isso também porque não tinha certeza se ia aguentar a subida.
Foram seis quilômetros (ida e volta) por um bosque magalânico com árvores que observaram Darwin andar por ali – me senti muito especial agora!
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E como grande presente, após essa subida mágica, avistei o navio lá longe, numa vista inesquecível!
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Voltando para o calorzinho do navio, pois fora o vento era bem gelado, jantei king’s crab gratinado, uma das delícias mais desejadas da Patagônia. E o serviço por lá também engloba ótimos vinhos regionais – vale cada golinho.
No penúltimo dia de expedição foi momento de acordar cedo mais uma vez (7h30), porque nesse passeio quem quer aproveitar tudo precisa pular cedo da cama.
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Depois de ondas intensas num pedacinho do Pacífico, navegação pelo Canal Cockburn, Magdalena e Fiorde Keats entrando no Seno Agostini, nomeado em homenagem ao padre salesiano italiano que viveu entre os habitantes nativos da região.
Sobre a falta de internet que prometi falar no começo: em alguns pequenos momentos, de maior proximidade com a costa, é possível encontrar sinal de operadoras argentinas e chilenas, conforme informaram os tripulantes. Mas quer saber a verdade? Mesmo com essa possibilidade em alguns momentos, se programe para desconectar! No começo vai dar uma ansiedade grande, já que estamos cada dia mais apegados ao 3G/4G – Whatsapp – Facebook, mas depois tudo melhora e você consegue fazer uma conexão ainda mais difícil: com você mesmo e com pessoas que acabou de conhecer e estão aproveitando tanto quanto você! Se jogue nessa experiência.
Enfim, depois de muitas aventuras e sentimentos, hora de encarar o passeio mais esperado: ver um glaciar!
Descemos sob muita neve, que em alguns momentos se transformou em chuva, e caminhamos por uns dez minutos até dar de cara com uma das estruturas naturais mais lindas que já vi: O Glaciar Aguila!
Foi o que me falaram: por fotos não dá para ter a ideia do azul e da magnitude dessa geleira rodeada por montanhas e uma floresta fria e úmida da Patagônia.
No início do quarto e último dia de cruzeiro foi outro grande momento da expedição, pois desembarcamos na Ilha Magdalena, no Estreito de Magalhães, para observar uma gigante colônia de pinguins e um farol no alto, que orienta as embarcações que passam pelo famoso Estreito – com certeza você já ouviu falar dele nas aulas de história.
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Depois desse encontro com os simpáticos bichinhos, hora de aproveitar um dia de descanso na simpática cidade chilena de Punta Arenas.
Para quem gosta de aventura e experiências turísticas nada óbvias, esse passeio é obrigatório!
Fotos: Paula Roschel.