Quantas vezes por dia você escuta o termo estrangeiro “fake news”? Mesmo em inglês (traduzido livremente como “notícia falsa”), ele é bastante compreendido por brasileiros. No país, segundo o Google Trends, desde março deste ano houve uma explosão de pesquisas sobre o tema. O motivo? Os mais diversos. A notícia falsa é bem “democrática”: passa por política, celebridades, e, infelizmente, saúde. Um exemplo? Que gargarejo com vinagre, sal e água morna era bom para “matar” o coronavírus. Uma grande besteira, sem qualquer embasamento científico, que colocou muita gente em risco.
Mas será que posso ser punida se postar alguma fake news? Essa é uma pergunta cada dia mais recorrente.
Os advogados Dra. Marília Kairuz Baracat, head de privacidade e proteção de dados do escritório Di Blasi, Parente & Associados e Dr. Francisco Silva, do escritório FC Advogados, esclarecem alguns pontos.
JornaldamodA – Posso ser punida – processada ou presa – se eu postar uma fakenews?
Dra. Marília – Embora não exista, até o momento, legislação específica sobre fake news, você pode ser punida se incorrer em tipos penais previstos no Código Penal Brasileiro. Exemplo: difamar alguém, ameaçar e etc. O que interessa para o acometimento de crime é a conduta do agente e a previsão legal; não importando se a conduta é praticada no meio digital. É claro que tudo isso precisa ser alegado e provado.
Dr. Francisco – Sim. A pessoa que postar fake news pode responder um processo criminal, bem como, ao final do processo, ser condenada pelo seu ato com penas que vão desde a aplicação de multas até a prisão. Por exemplo, se uma pessoa publica uma notícia falsa, com o intuito de ofender a honra de alguém, poderá ser enquadrada em um dos tipos penais dos arts. 138 (calúnia), 139 (difamação) e 140 (injúria), todos do Código Penal, no qual o indivíduo, inclusive, poderá ser preso.
JornaldamodA – E se eu repostar/compartilhar a notícia falsa?
Dra. Marília – Sem prejuízo de responsabilidades civis e administrativas, podem ser responsabilizados criminalmente tanto quem divulga como quem compartilha a notícia falsa sem checar a fonte. O problema maior é a comprovação do “dolo” (vontade livre e consciente de produzir um resultado) para tipificação dos crimes – daquelas modalidades que envolvam infrações penais dolosas. Por isso, a nossa recomendação é checar a fonte antes de compartilhar. Muitas vezes, as fake news possuem títulos apelativos com uma linguagem chocante, exatamente para provocar a comoção social.
Dr. Francisco – A depender do caso sim. No mesmo exemplo mencionado acima.
JornaldamodA – Como você acha que ficará a legislação brasileira com o aumento de notícias falsas em redes sociais?
Dra. Marília – Acredito que a sociedade brasileira precisa discutir o tema e todas suas nuances, com o próprio parlamento brasileiro. Não é simples tipificar algo como falso. Além do mais, é necessário medir a consequência, o impacto de uma fake news sem regredir em termos de direitos. Quero dizer que a liberdade de expressão garantida constitucionalmente precisa ser protegida. De nada adianta termos legislação para fake news se esta prejudicar a liberdade de expressão. No entanto, creio ser possível separarmos a liberdade de expressão da prática delituosa de compartilhamento de notícias falsas.
Dr. Francisco – Eu acho que a tendência é cada vez mais a nossa legislação ficar mais rígida nesse sentido. Por exemplo, em 2019 foi promulgada a Lei nº 13.834, de 4 de junho 2019 que acrescentou o artigo 326-A no nosso Código Eleitoral.
Agora, se uma pessoa postar uma notícia falsa e dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, porque atribuiu a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral, ela pode ser processada e condenada, podendo pegar uma pena de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão, e multa.
JornaldamodA – Se uma pessoa foi vítima de fake news ou algum linchamento virtual, como proceder contra quem postou e repostou?
Dra. Marília – A vítima deve procurar uma advogada de sua confiança ou a defensoria pública. Registrar a ocorrência em delegacia especializada é uma recomendação. Se o caso envolver uma relação de consumo, deve-se buscar o Procon de sua cidade.
Dr. Francisco – Ela pode proceder em duas formas: na esfera criminal e na esfera civil. Por exemplo, se uma pessoa for vítima de fake news, no qual a imputaram falsamente um fato definido como crime (art. 138 CP – calúnia), essa pessoa que foi vítima poderá proceder uma queixa crime requerendo, ao final, a condenação de quem a caluniou. Essa pessoa poderá receber uma pena de 6 (seis) meses – 2 (dois) anos de prisão e multa. Além disso, essa pessoa que foi vítima da fake news poderá ainda entrar com uma ação civil, requerendo uma reparação por danos morais e materiais, a depender do caso.
JornaldamodA – É fácil processar e ganhar a ação contra alguém que publicou uma fake news?
Dra. Marília – Este é um dos principais problemas: como responsabilizar alguém por esta prática delituosa? Lembro aqui que temos o inquérito das fake news sendo investigado no STF. Soma-se aos problemas das notícias falsas o uso massivo de robôs, dificultando saber a autoria de um possível crime. Além disso, frisa-se que uma fake news pode causar danos irreparáveis à reputação de pessoas, empresas e até governos. Discute-se atualmente o peso que as fake news tiveram nas eleições de 2018, no Brasil. Elas podem gerar disputas eleitorais assimétricas, prejudicando a própria democracia. O melhor exemplo é o caso que ficou consagrado como Cambridge Analytica.
Dr. Francisco – Nenhum processo é fácil. Contudo, se uma pessoa que foi vítima de uma fake news nas redes sociais entrar com uma ação de reparação por danos morais, e pegar essas postagens falsas e colocar nos autos, demonstrando que foi vítima de uma notícia falsa, há uma grande chance sim de ter vitória no processo.
JornaldamodA – Quais cuidados eu preciso tomar se vi algo na rede social que me revoltou e quero repostar com uma nota de repúdio? Por exemplo, se eu fizer isso com o post de um artista que teve uma atitude racista, ele pode me processar por calúnia?
Dra. Marília – Todas as redes sociais possuem um canal de comunicação com os usuários. Então, é possível fazer uma reclamação ou denúncia à própria administração da plataforma ou aplicativo. Caso o problema não seja reparado, sugiro que se busque um advogado ou, dependendo do caso, uma delegacia especializada na matéria. No exemplo acima, se repudio um post com conteúdo racista, quem pratica o crime é quem fez a postagem com conteúdo racista, lembrando que a prática do racismo no Brasil constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. É claro que quando se repudia em uma postagem conduta racista de alguém, não se deve cometer nenhum crime, como, por exemplo, ameaçar alguém. Todo cuidado é pouco nas redes sociais. Antes de postar algo ou compartilhar, reflita sobre sua conveniência e investigue sua veracidade.
Dr. Francisco – Isso irá depender da forma que for feita a nota de repúdio. Isso porque a liberdade de expressão é um direito assegurado pela nossa Constituição Federal. Contudo, não é um direito absoluto, muito menos imune a comportamentos delituosos que tenham, na manifestação do pensamento, um de seus meios de exteriorização. Diante disso, o conselho que eu possa dar é, primeiramente, verificar se a informação é verdadeira, e, se for verdadeira, fazer uma crítica sem ofender a honra dessa pessoa.
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Foto de Jhefferson Santos no Pexels.