Coragem é um substantivo feminino. Coragem também é o que mulheres precisam ter para encarar problemas que só florescem por causa do gênero.
O Brasil é um dos países mais violentos do mundo quando falamos de feminicídio. Durante o isolamento social, denúncias no Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência) aumentaram 40%.
Como tentar então dar um rumo mais otimista para a vida das mulheres em meio a tantos dados desfavoráveis? A palavra e a poesia são os caminhos de paz para a escritora Flavia Campos. Ela, no início de 2020, lançou seu livro “Coragem – substantivo feminino” – bem no período de isolamento social. Em nossa série sobre sororidade, conversamos com a autora.
JornaldamodA – Quando você começou a escrever?
Flavia – Acho que eu já escrevia antes de saber ler (rs). Ganhei meu primeiro concurso de poesia na escola aos 12 anos; foram 3 anos consecutivos. Nunca mais parei de escrever. Escrevi músicas, contos, diários e mais diários com todas as linhas preenchidas. Não tinha espaço para nem mais uma palavra. Agora estou escrevendo meu primeiro romance e mantenho meu conteúdo sempre atualizado no Instagram.
JornaldamodA – O que te motivou a escrever “Coragem, substantivo feminino”?
Flavia – A coragem! Quando decidi criar um perfil de poesia no Instagram tive medo do julgamento, dos erros de digitação e revisão, e veio a síndrome da impostora. Decidi seguir. Claro que o mantive privado, pois precisava me sentir minimamente segura.
Depois de um tempo, pensei em deixá-lo público. Quase morri de medo, mas fiz.
Isso foi há um ano e meio. Comecei a ganhar seguidoras fiéis. Meu público é 95% feminino. Elas começaram a dizer que parecia que eu lia os pensamentos e sentimentos delas. Falavam que se identificavam muito com as minhas palavras.
Então criei o projeto #TodoMundoéPoesia. Nele, mulheres do Brasil me contam por mensagem direta e de forma confidencial suas histórias de vida, dores, amores, lutas, quedas e conquistas. Eu devolvo um poema para lembrá-las do quão corajosas elas são.
O livro nasceu daí. Eu precisava parir esse livro que foi inspirado na coragem que temos. Tanto para amar, quanto para lutar.
JornaldamodA – Você tem uma carreira consolidada em publicidade. Como é ser mulher em um ambiente ainda muito masculino (em cargos de liderança) e tantas vezes tido como machista?
Flavia – Não foi fácil chegar até aqui. Tive um parto de risco, depressão pós-parto, entrei para as estatísticas quando fui demitida há 7 anos pós licença-maternidade. Mas também tive boas oportunidades para construir minha carreira. É importante frisar que crescer profissionalmente é mais fácil para uma mulher branca, que frequentou escolas particulares, que pôde contar com a ajuda dos pais para pagar os estudos. Exatamente por saber de tudo isso eu uso meu lugar de fala para criar novos contextos no mercado de trabalho e em qualquer outro lugar. Eu abraço e sempre abracei a diversidade, a inclusão e a equidade de gêneros como uma das ferramentas mais fortes para mudar realidades machistas e preconceituosas. A criatividade precisa disso e a humanidade também.
JornaldamodA – Você acredita na escrita como forma de combate aos problemas que enfrentamos em relação ao gênero?
Flavia – Sim. Eu acredito na arte e na cultura como mecanismo de mudança social. Minha poesia luta contra o machismo, a violência doméstica e a misoginia. Ela enaltece a voz da mulher, o direito ao respeito, igualdade, liberdade de escolha, liberdade sexual, poder sobre o próprio corpo e direito de escolher seus próprios caminhos sem ter que seguir a cartilha do patriarcado.
JornaldamodA – Para você, o que é a sororidade e como tal movimento está inserido em sua vida e projetos?
Flavia – Sororidade é um dos princípios básicos do feminismo. Precisamos de união para vencer cada barreira imposta pela sociedade simplesmente por sermos mulheres. E essas barreiras são recriadas e/ou retomas ao longo do tempo. Simone de Beauvoir dizia que “basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Portanto, temos que estar unidas para preservar direitos e evitar abusos.
JornaldamodA – O livro teve o lançamento impactado pela pandemia? Como foi?
Flavia – Não sei se fui mais louca ou mais corajosa. Lançar o primeiro livro numa pandemia, sem um evento como marco, com a pauta jornalística tomada por temas complexos está demandando um esforço hercúleo. Mas não me arrependo. Acho que o tema é muito atual e que a poesia é maior que o medo.
JornaldamodA – O que uma mulher pode fazer, de forma bem simples, para ajudar a outra, no dia a dia?
Se colocar no lugar dela. Estender a mão e fazer o que está ao seu alcance para ajudar. Eu uso a poesia e meu lugar de fala como uma mulher na liderança. Precisamos lembrar que somos aliadas e não rivais. Vamos juntas!
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Foto: Flavia Campos.