segunda-feira, novembro 25, 2024

Tire suas dúvidas sobre testes em animais

Eu guardei esse post com muito carinho. Deixei passar eleições,final de ano e Carnaval, por serem épocas em que muitos leitores ficam dispersos. Achei que esse assunto deveria subir no site num momento em que o JornaldamodA está com ótimos picos de audiência, pois quanto mais gente ler, melhor.

O tema é bem polêmico: teste em animais – e começou a ficar em evidência no Brasil após a invasão do Instituto Royal, em 2013, quando dezenas de cães da raça Beagle foram retirados da condição de cobaias.

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Estamos em 2015 e as dúvidas só aumentam quando esse tema aparece, então resolvi falar com um especialista e tanto no assunto, o pesquisador e vencedor do Lush Prize (premiação promovida pela marca Lush que exalta pesquisadores que combatem a crueldade animal), Róber Bachinski. Ele esclareceu muitas dúvidas que eu tinha e tenho certeza que também vai te ajudar.

JornaldamodA – Na área cosmética é possível acabar totalmente com o teste em animais?
Róber Bachinski – Hoje temos uma situação que podemos testar os cosméticos através de metodologia in vitro (cultivo celular) ou ex vivo (utilizando olhos de bovinos mortos em abatedouros) nos produtos cosméticos e ter segurança o suficiente em que não colocaremos em risco os voluntários humanos. Isso acontece porque desde o final da década de 70 a União Européia coloca limitações aos testes em animais para cosméticos… Em 2009, com a aprovação da 7th emenda, a União Européia também baniu os testes de cosméticos em animais e a comercialização dos produtos nessas condições. Isso fez com que os métodos alternativos desenvolvidos nesse tempo fossem divulgados e que outros países debatessem o assunto, especialmente devido a barreira econômica que os testes em animais pode gerar. O Brasil está se ajustando a essa nova realidade. O CONCEA determinou a proibição de diversos testes em animais utilizados em cosméticos para cinco anos. Além disso, no Brasil os testes de cosméticos em animais não são uma exigência para registro desses produtos pela Anvisa. Porém, alguns países, como a China, exige esses testes. Isso cria problemas de comercialização, o que provavelmente tende a se solucionar para o fim total dos testes para cosméticos.

J – Quais são as principais formas alternativas para os testes em cobaias e sua segurança?
R – Depende muito do objetivo do teste e do produto que será testado. Para cosméticos, por exemplo, a OECD indica o uso de peles reconstruídas (baseado em cultivo celular) para testes de irritação cutânea e permeabilidade. O BCOP (Teste de Opacidade em Córnea Bovina) é recomendado para irritação ocular, utilizando um subproduto da indústria da carne. Esses testes asseguram que os voluntários não estarão em risco ao testarem os produtos. E esse foi o objetivo do Código de Nuremberg recomendar o uso de animais não humanos para os testes, antes de voluntários humanos: garantir a segurança dos voluntários. Então, se conseguimos criar ferramentas científicas para a análise da segurança dos produtos sem o uso de animais, esse uso se faz desnecessário.

J – Não testar em animais aumenta o risco de um produto fazer mal aos humanos?
R – O risco existe, independente do teste que se utilizar. Deve-se fazer uma análise sobre a toxicidade do produto e se os testes são capazes de detectar essa capacidade tóxica. Os produtos com destino farmacêutico ou de uso humanos devem passar pelas pesquisas pré-clínicas e pelas pesquisas de fase clínica. Os testes em animais, como já citei, foram recomendados pelo Código de Nuremberg para proteger os voluntários humanos. As pesquisas em humanos sempre foram feitas sem limites éticos, como ocorreu mais divulgadamente na Alemanha nazista, mas também nos EUA, no caso Caso Tuskegee (1932) e em estudos com prisioneiros, pacientes psiquiátricos e soldados guatemaltecos feitos pelos EUA (1946-1948). Então, para cada produto estudado, deve-se escolher um teste apropriado para, principalmente, avaliar a segurança do produto. Porém, se não foram feitos testes com o produto ainda, como saberemos se estamos utilizando o modelo animal apropriado para aquele teste? Esse erro foi mais declarado no caso da Talidomida. Esse produto foi aprovado em testes com ratos e camundongos. Porém, quando lançado ao mercado, no final da década de 50, causou graves efeitos teratogênicos em milhares de vítimas. Os pesquisadores revisaram os protocolos e identificaram que não foi utilizado o modelo animal correto, primatas e coelhos deveriam ser utilizados. Mas essa análise a posteriore somente ocorre após o produto chegar ao mercado e causar vítimas.

J – E usar cobaia dá realmente um resultado satisfatório nos testes?
R – Há diferentes classes e diferentes usos. Por exemplo, para análise de carcinogenicidade (ou seja, se um químico pode induzir a formação de células cancerígenas), em uma revisão sistemática com 533 substâncias farmacêuticas. Considerando as classificadas com alto potencial cancerígenos em humanos, 41% foram positivas em ratos ou camundongos, mas 15% foram negativas. Outro dado importante é que 44% não foram sequer testadas em animais, pois esses testes são caros e demorados. Nessa revisão, também mostra que os testes em ratos e camundongos apenas predizeram positivamente 20% dos produtos cancerígenos (apenas 20% dos produtos classificados como cancerígenos em ratos e em camundongos, foram classificados como cancerígenos pelos testes em humanos), ou seja, a taxa de falso positivo foi de 80%. Assim, nesse caso, muitos produtos que não eram cancerígenos em humanos não seguiram estudos, por exemplo.
Outro dado interessante é que 90% dos produtos que passam na fase pré-clinica de pesquisa (identificação, desenvolvimento e testes in vitro e in vivo) são rejeitados na Fase Clínica I (a fase que se faz com grupos limitados de voluntários humanos sadios). Isso já demonstra o baixo valor preditivo das pesquisas pré-clínicas. Um livro que será lançado no começo de 2015, do prof. Thales Tréz, pela Tomo Editorial, trará todos esses dados e muitos outros, sobre a crítica do modelo animal na pesquisa.

J – E na medicina, já é possível abolir de vez o uso das cobaias? Se sim, explique como. Se não, quais os motivos?
R – A ciência ainda considera necessário o uso de animais principalmente por ele ser uma maneira de tentar garantir a segurança humana dos produtos. Além das barreiras tecnológicas, a mudança de paradigma científico (da ciência baseada em testes em animais para uma ciência baseada em novas tecnologias), ainda terá que quebrar a barreira do medo da responsabilidade. Hoje, os testes em animais são uma bengala metodológica. Se algo der errado, os órgãos reguladores e as empresas podem culpar os testes em animais. Banir os testes em animais e aceitar novas tecnologias fará com que as empresas e órgãos reguladores sejam responsabilizados caso essas novas tecnologias falhem na identificação do risco. Os EUA possuem uma política nacional chamado “Human on a chip”. O Human on a chip é o empreendimento de criar mini-órgãos em uma plataforma para testá-los em um sistema. Nesse projeto, há laboratórios desenvolvendo mini-pulmões, mini-fígado, mini-rim, mini-coração, mini-cérebro e outros. Esses órgãos são baseados em células tronco pluripotente inducidas. São células tronco humanas originárias de fibroblastos que foram induzidas a voltar a características de células tronco. Esse é um projeto inovador e que vai ser uma revolução na toxicologia e nos testes de segurança e eficácia. E o Brasil precisa estar atento a esses avanços, investindo nessa nova ciência, para poder ter competitividade científica e tecnológica no futuro. Há diversas outras metodologias de análise que estão ganhando força e que devem ser incentivadas no Brasil. Para auxiliar o governo no incentivo às pesquisas que visam a substituição do modelo animal, o Prof. Thales Tréz, eu e mais cinco pesquisadores com nível de doutorado estamos registrando a 1Rnet como uma organização sem fins lucrativos para a promoção científica: 1Rnet – Instituto para Pesquisa e Promoção da Substituição da Experimentação Animal (www.1rnet.org ou www.facebook.com/1rnet)

J – Quem ganha com o teste em cobaias? É verdade que usar métodos alternativos aumentam o custo de produção, por isso que usar animais é mais “fácil”?
R – O paradigma científico passado. Os testes em animais devem, por razões éticas e científicas, serem substituídos. Mas mudar um paradigma científico não é fácil. Existem muitos interesses e dogmas. A ciência é uma representação da realidade feita pela sociedade. É a representação da realidade que eu acredito, pois ela possui mecanismos de controle e de evolução, por exemplo, através das mudanças de paradigma. Mas é uma expressão social, dogmática. Hoje, nós estamos passando por uma revolução científica, como descrita por Thomas Kuhn. A sociedade mudou, ela não aceita mais o uso de animais e faz com que a ciência olhe para as anomalias científicas da ciência do paradigma do uso de animais como problemas no paradigma, e se esforce para substituir por um novo, o chamado: A toxicologia do Século XXI. Os testes in vitro possuem um preço mais alto na implementação das metodologias, na validação e no desenvolvimento de novas metodologias, mas, após isso, a manutenção é menos dispendiosa, em tempo e em dinheiro, além de ocupar um espaços menores, poder fazer mais análises e gerar mais conhecimento.

J – O que responder para quem continua consumindo carne, mas defende cosméticos cruelty-free (uma pergunta muito comum no site)?
R – A ciência é o reflexo da nossa sociedade. Hoje, a sociedade pensa mais sobre os animais e isso faz com que o paradigma (a aceitação) do uso de animais na ciência começa a ser questionada mais fortemente. E é nessa nova ciência, sem o uso de animais, que estou trabalhando, com muitas outras pessoas (muitos melhores do que eu). Mas devemos lembrar que o uso de animais, na ciência e na sociedade, é baseado em um preconceito: o especismo. O especismo é quando um humano desconsidera o interesse dos outros animais (como o interesse em ser livre, em conviver com o meio ambiente que ele evoluiu para conviver, o interesse em não sentir dor, o interesse em suas próprias vidas), é desconsiderar esses interesses apenas por eles serem de outras espécies. O uso de animais é baseado em um preconceito e deve ser combatido. A nossa sociedade não vê isso como um preconceito, porque infelizmente ainda é muito normalizado. Mas, como disse P. Singer, é fácil criticar os nossos avós pelos preconceitos que nossos pais já se libertaram. É mais difícil olhar para nós mesmos e analisar os nossos próprios preconceitos.

J – Como saber quais empresas testam ou não em animais – principalmente no mundo dos cosméticos?
R – Há diversas listas e até alguns aplicativos que identificam produtos ou empresas que declaram não testar em animais. Hoje, com a informação, uma busca rápida na internet mostrará uma lista de empresas que não testam.

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J – Para um produto ser cruelty-free ele precisa ter todos os componentes nunca testados em animais, hoje ou antes?
R – O que você acha de empresas que dizem que são cruelty-free mas vendem para o mercado chinês, onde o teste é obrigatório por lei?
Se uma empresa assume que não testa em animais, ela deve fazer ou incentivar campanhas para mudar a legislação de outros países e não testar em animais apenas por uma questão de interesse econômico. Quando compramos um produto, estamos apoiando a política da empresa. Assim, as pessoas devem conhecer e se responsabilizar sobre o que elas estão comprando. Não apenas na questão dos testes em animais, mas também relacionado aos direitos trabalhistas, políticas ambientais e produtos utilizados pela empresa.

J – E nas faculdades, é possível estudar sem usar animais como cobaias sem prejudicar o ensino?
R- Sim, hoje temos alternativas para todas as aulas práticas que tradicionalmente usam animais. Os professores, muitas vezes, aprenderam em um ambiente que usa animais, não conhecem as alternativas e não tem tempo para buscar novas metodologias (devido a sobrecarga de atividades nas universidades, como aulas, orientar estudantes, fazer pesquisa, analisar projetos, etc). Muitas vezes eles não gostam das aulas práticas com animais, mas acreditam que elas sejam a melhor forma didática. Então, estamos dispostos a treinar os professores e auxiliar na busca de alternativas. Além, claro, da colaboração dos estudantes. Os estudantes também devem assumir uma atitude pró-ativa e auxiliar os professores na substituição das aulas práticas, inclusive como uma forma de iniciação científica.

J –  Consumir menos também é uma forma de ser cruelty-free?
R – Há muita exploração, animal e humana, na cadeia produtiva. O consumo deve ser consciente e saber de quem estamos consumindo. O consumidor é responsável pelas políticas das empresas também.

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J – Como está o Brasil nessa luta contra os testes?
R – Avançando a passos largos. Quando eu estava na faculdade de biologia, em 2006, por exemplo, falar de alternativas na educação (o que é bastante divulgado mundialmente e onde certamente podemos abolir o uso de animais) era algo fora da realidade. Muitas vezes meus professores me taxaram de anticienticista por querer os métodos alternativos. Hoje, o Brasil assumiu-se como um país proeminente em métodos alternativos na América Latina. O governo incentiva métodos alternativos. O MCTI criou, em 2012, a Rede Nacional de Métodos Alternativos (RENAMA). Em 2013, Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM) foi regularizado. O Conselho Brasileiro para o Controle da Experimentação Animal (CONCEA), criado em 2008 pelo MCTI está investindo em métodos alternativos e trabalhando para a divulgação dos métodos no ensino. A RENAMA, o BraCVAM e o Programa de Pós-graduação em Ciências e Biotecnologia (PPBI/UFF) organizaram em 2012, em Niterói, o I Congresso Brasileiro de Alternativas ao Uso de Animais no Ensino, Pesquisa e Indústria (COLAMA2012), chamando mais de 30 convidados extrangeiros para palestras. Estamos hoje com muitos incentivos, não apenas pelos animais, mas por questões econômicas e de desenvolvimento científico. Mas ainda necessitamos de mais apoio para pesquisas no Brasil, tanto por parte do governo, quando incentivo com a iniciativa privada. Essa é a ideia do 1Rnet, trabalhar com o governo, com a sociedade e com a indústria para promover as pesquisas para a substituição do modelo animal.

Fotos: Divulgação e Flickr.

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