Em 2006 uma lei com nome feminino nascia no Brasil como consequência da violência vivida por tantas mulheres, inclusive Maria da Penha, que dá o nome popular para o dispositivo legal de número 11.340.
Essa medida para diminuir a violência doméstica é mundialmente conhecida como uma das leis mais importantes para as mulheres no mundo. Ela retrata o sofrimento de Maria da Penha, que foi vítima de violência doméstica em seu casamento e teve que pedir justiça para entidades internacionais, já que nosso país falhou – e ainda falha – ao defender a vida de mulheres que são agredidas e mortas em ambiente “familiar”.
O que é considerado violência doméstica e familiar contra a mulher?
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (fonte)
Para refletir sobre pontos positivos e negativos dentro da história dessa que alterou o Código Penal, a especialista Gabriela Souza – Advocacia para Mulheres lista o que foi conquistado e o que ainda precisa de ajustes:
Pontos Positivos
– Princípio do in dúbio pró mulher: Ou seja, na dúvida, acredita-se na palavra da mulher. Esse princípio é muito importante na medida em que há certas situações de violência doméstica em que há dificuldade de provas no caso de violência física sem marcas no ambiente doméstico (como por exemplo tapa e socos). Nesses casos, havendo dúvida, se dá credibilidade a palavra da mulher.
– Definição do que é violência doméstica: antes da lei não havia especificação sobre o que é ou não violência doméstica. A lei apresenta todos os tipos de violência possível contra a mulher, de forma clara, evitando qualquer dúvida.
A violência doméstica independe de orientação sexual: ou seja, é possível que um relacionamento homossexual ou que uma pessoa transexual seja vítima de violência doméstica, sendo tratado conforme determina a lei.
– Criação de Juizados de Violência Doméstica: para maior agilidade no processo. Antes da lei, para obter uma medida protetiva a vítima deveria buscar um advogado ou defensor para solicitar judicialmente. Atualmente basta registrar no Boletim de Ocorrência que deseja uma medida protetiva para que o caso seja levado ao conhecimento do Juiz(a) da vara de violência doméstica e analisada a necessidade de proteção à mulher.
– Medidas Protetivas: A Lei Maria da Penha tem um rol meramente exemplificativo das Medidas Protetivas que podem ser aplicadas. O Magistrado pode, inclusive por sua própria iniciativa, conceder tantas medidas protetivas entender necessárias para a proteção da mulher, dependendo de cada situação. Uma das mais comuns é a proibição de aproximação.
– Garantias: a Lei garante à mulher vítima de violência doméstica, por exemplo, a garantia ao trabalho. A servidora pública vítima de violência tem prioridade em pedidos de transferência, por exemplo.
– Oitiva em separado: a vítima pode solicitar, em audiência, que seja ouvida separadamente do agressor. Assim ela será ouvida com a liberdade de poder falar o que desejar, sem a presença e intimidação do agressor.
– Patrulha Maria da Penha: em diversas cidades foi criada a Patrulha Maria da Penha, que auxilia a monitorar o cumprimento efetivo das Medidas Protetivas, protegendo a mulher em situações de violência e vulnerabilidade.
– Retratação pela vítima só pode ocorrer perante o Juiz: essa determinação tem caráter pedagógico para educar a população, na medida que apenas perante um Magistrado a vítima pode desistir da ação.
– Políticas públicas: com a vigência da Lei Maria da Penha, as políticas públicas para coibir a violência doméstica cresceram, aumentando também o número de denúncias.
Pontos Negativos
– A intimação do agressor através da Medida Protetiva contém os dados da vítima. Ou seja, o endereço da vítima está à disposição do agressor, o que deixa a mulher vulnerável.
– Falta de equipe multidisciplinar: Em casos de violência física, é necessário realizar exame de corpo de delito. Muitas vezes a vítima é atendida por peritos, o que causa um constrangimento nas mulheres.
– Inseguranças na hora de registrar a ocorrência.
– Alto índice de retratação e ausência da vítima em audiências: vítimas de violência doméstica desistem do prosseguimento de ações em virtude de diversos fatores como insegurança, medo, ameaças. Isso ocorre porque as mulheres não passam por um acompanhamento durante o processo.
– Casas de apoio e programa de recuperação do agressor: a lei fala da possibilidade do agressor passar por programa de recuperação, cujo objetivo principal seria a desconstrução da cultura da violência. Na prática esse programa não tem muita aplicabilidade e efetividade, o que se lamenta, tendo em vista que a mudança da cultura passa, necessariamente, pela mudança de pensamento dos agressores.
– Fiscalização do cumprimento das medidas protetivas: A Lei prevê que o descumprimento de Medida Protetiva pode levar o agressor à prisão, o que é um ponto positivo. Porém é necessário registrar um novo Boletim de Ocorrência a cada descumprimento, o que prejudica a vítima e torna menos eficiente o procedimento.
– Falta de Juizados de Violência Doméstica e Familiar: A Lei Maria da Penha facultou a criação de juizados específicos para tratar de violência doméstica. Sendo assim, sua criação é feita conforme a necessidade e capacidade de cada Tribunal de Justiça. Até que ocorra a orientação do Conselho Nacional de Justiça para que seja dada prioridade na criação desses juizados, muitas cidades não contam com essa especialidade.
– Apesar de garantir à vítima de violência doméstica o exercício de seu trabalho, a lei é omissa no que tange ao pagamento do salário, ou seja, se fala na proteção, na transferência de local, mas não se fala em estabilidade e garantia de recebimento do salário, não explicando a lei se se trata de suspensão ou interrupção de contrato de trabalho.
– Alienação parental: Atualmente, após o registro de Boletim de Ocorrência acerca de violência doméstica, muitas mulheres recebem denúncias que envolvem alienação parental em virtude da própria violência. A alienação ocorre quando há interferência na formação psicológica da criança ou adolescente, promovida ou induzida, nesse caso, pelo agressor. A Lei Maria da Penha é silenciosa nesse sentido.
– Julgamento em separado: As ações que versam sobre guarda e alimentos tramitam em separado da ação de violência doméstica.
– Sentimento de impunidade pelos agressores: Ainda que a Lei seja de extrema rigidez, muitos agressores sentem-se impunes à ela, como, por exemplo, o agressor da Luiza Brunnet, que afirmou recentemente que a Lei Maria da Penha é uma “leizinha vagabunda”, o que demonstra um sentimento de impunidade perante à Lei.